À medida que o meu tempo corre em direção ao infinito, eu vou relembrando fatos e cenários que eu mesmo vivenciei e que continuam se repetindo numa reprise sem fim.
22:00 – O cidadão chega em casa, com o nó da gravata na altura do umbigo.
Abre a porta e o Bassezinho Heitor vem correndo, todo animado com a bolinha vermelha na boca querendo festejar a chegada do dono. O sujeito olha para a bolinha, abaixa-se vagarosamente, pega o brinquedo e joga a uns 1,5 m de distância. Tão perto, que o Heitor nem foi buscar, preferiu continuar abanando o rabo.
A mulher, vem em sua direção, dá um abraço, e ele fica com os dois braços abaixados como se estivesse carregando um peso de 20 quilos em cada mão.
– Como foi seu dia hoje, querido? Ele encosta o queixo no ombro da esposa e suspira: Este trânsito…
Joga a pasta em cima do sofá, joga um sapato para cada lado, desaba na poltrona, e solta: -Sabe o filho da mãe do Onofre? Continua passando por cima de mim e falando diretamente com o meu chefe. Imagine você que eu o peguei falando sobre o desempenho da área na administração da dívida de longo prazo. E mais, com a voz cheia de entusiasmo informou que o Ibitda ajustado seria devidamente alcançado de acordo com o planejamento financeiro. Pô, o cara é meu funcionário e já contou tudinho pro meu chefe. Bola nas costas!
A esposa, coitada, depois de um dia inteiro de trabalho como psicóloga infantil, arregala os olhos e diz: – Coitadinho de você, já não bastam todas as suas dificuldades e ainda tem que enfrentar a anta do Onofre?!?! Um parêntesis, ela nem se lembra quem é o Onofre…
Com toda a experiência que tem como psicóloga infantil há 15 anos, faz um ar de profunda compaixão e diz: – Vamos jantar e depois a gente vai pra caminha, que tal? Com a linguagem corporal de sempre ele diz: – Tô tão cansado, que acho que vou pra cama dormir.
Ela pensa com um misto de resignação e frustração, será que um dia a Gabriela (3), vai ter um irmão…
Para refletir.